Mundos Paralelos - capítulo 6 - 6.5
6-6.5
Incendio!
*******.
As chamas, alimentadas pelo encanamento de oxigênio, subiam a grande altura; as paredes e o teto derretiam-se como cera. Os depósitos de hidrogênio, oxigênio, peróxido e deutério explodiam, os encanamentos retorciam-se como serpentes de fogo, e o escapamento de oxigênio fervente cobria a estrutura com espinhas incandescentes de viva cor azul e branco. A temperatura começou a subir, afetando inclusive aos marcianos que observavam do outro lado da cerca magnética.
Os homens desdobraram as mangueiras ligadas ao poço e o reservatório. O encanamento vomitava milhares de litros de água por minuto sobre o fogo e os reservatórios intocados ainda pelo fogo; consumindo mais água da que o poço produzia. Em seguida foi preciso usar água do reservatório. Elvis, num ato desesperado, abordou a Antarte, fez a nave pairar sobre o fogo e descomprimiu milhares de litros de água da reserva da nave sobre a fábrica. No obstante, nem a água nem os extintores químicos podiam conter o fogo; aquela se evaporava pelo calor e estes eram insuficientes. Apenas podiam impedir que o incêndio se propagasse aos enormes reservatórios de combustível recém fabricado, a maior parte vazia.
A fábrica de vitroplast estava em perigo pela sua proximidade. Os jatos d'água dirigiram-se a ela em previsão de danos maiores. O centro de abastecimento das naves estava em perigo por sua proximidade e pelos encanamentos.
A tripulação da Prometeo com seu capitão à frente, introduziu-se dentro da fábrica em chamas. Protegidos por jatos d'água das mangueiras e seus trajes de vôo incombustíveis, resgataram a maquinaria insubstituível pouco antes que se derrubasse a superestrutura do edifício. Em meia hora a Antarte esgotou sua água, assim a do reservatório principal.
–Chega! – gritou Aldo com o rosto alterado – Não gastem mais água!
–Mas já o temos sob controle... – começou dizendo Tom Silveira.
–Deixem queimar. Já salvaram o material insubstituível e não tem objeto gastar água. Custará muito recuperar a que perdemos.
–É verdade – respondeu Tom – Rapazes! Só não o deixem alastrar-se!
E dirigindo-se ao capitão:
–Se os tanques de oxigênio não vazassem constantemente, o fogo já teria se
apagado com o frio e a baixa pressão.
–Desligaram a tubulação principal?
–Sim, mas as válvulas dos cilindros subterrâneos derreteram-se e não há maneira de fechá-las.
–Há perigo de explosão?
–Não, acho que não.
–Há muito oxigênio nos depósitos?
–Vai queimar até amanhã. Talvez o frio ajude, à noite a temperatura desce a menos 30 graus...
–Isolem o local e fechem a base até nova ordem. Quero um inventário de danos e saber quando poderemos começar a reconstruir e recomeçar a produção.
Depois disso, Aldo encaminhou-se ao seu alojamento, caminhando devagar e ouviu nos seu capacete a voz de Tom:
–Presumo que adiaremos a viagem à Terra...
–De momento sim.
Aldo foi para seu alojamento. Já era noite fechada, mas ninguém o notou, devido ao vivo resplendor do incêndio. Alguém o seguia: Chiyoko.
–Isto me dói – ouviu Aldo nos fones – Vejo-o triste.
–Não te preocupes – respondeu ele – Não é a primeira das minhas provações.
Estavam chegando ao alojamento dele. Entraram.
–Aldo-San, não deve abalar-se na desgraça – disse Chiyoko num tom de esposa de samurai; enquanto as válvulas funcionavam.
–Eu não me abalo, eu sou um antártico – respondeu Aldo secamente, abrindo a viseira do capacete quanto a pressão se equilibrou.
–Prefiro tê-lo morto nos meus braços a vê-lo derrotado – disse ela abrindo a viseira do capacete.
Aldo tirou o capacete e a mochila, colocando-os nos cabides, pensando que o palavreado da moça era romântico demais, clássico demais. Talvez muita leitura do gênero medieval; nobres damas, valentes samurais e corajosos ronins...
Foi até a janela. Ela ficou do seu lado. As chamas produziam sinistros reflexos nos seus rostos e ele achou que podia responder-lhe à altura dos romances:
–Morrerei nos teus braços antes de abandonar este mundo sem tê-lo conquistado. Isso é uma promessa.
Ouviu-se o barulho da eclusa e em seguida penetraram Lúcio, Boris os irmãos de Aldo, Inge e Leif. Ao ver à japonesa, Inge e Mara não ocultaram sua surpresa.
–Aldo – disse Boris – isto foi negativo para o moral. Alguns querem voltar.
–Leia-se; o geólogo argentino, o bioquímico inglês, o zoólogo peruano e o botânico angolano que vieram comigo na Antarte – disse Elvis.
–Imaginava isso. Vocês querem voltar?
–Claro que não – disse Boris.
–Ninguém entre os meus quinze principais quer ir embora?
–De forma alguma – respondeu Lúcio.
–Muito bem – Aldo estava mudado, parecia outra pessoa – mas... Para quê vieram em comissão a dizer-me uma coisa que poderiam ter me dito pelo rádio?
Os outros se olharam em silêncio.
–Espero uma resposta – disse Aldo falando em tom de capitão.
–Pois... – começou Leif.
–Estamos na expectativa – cortou Boris – para ver o que você decide.
–Parece-me bem que lembrem quem manda aqui.
–Não diga isso, Aldo – interveio Mara com severidade – Não é justo conosco.
–Perdão, querida; mas pensei ter percebido um, digamos, indício de falta de confiança em mim por parte de vocês, para não ofendê-los com a palavra “motim”.
–Aldo! – gritou Mara.
–Foi o que deduzi quando os vi entrando aqui em bando, maninha.
–Aldo tem razão – interveio Elvis.
–Estou de acordo – disse Marcos – devíamos ter usado o rádio.
Inge, até esse momento mantivera-se em silêncio. Abraçou-o e disse:
–Se confiamos nele até agora, seria bom continuar confiando.
–Claro! – exclamou Mara.
–Até agora tudo funcionou bem – disse Aldo – Se nestes 58 dias que levamos aqui, consegui levar o projeto adiante, penso que seria muita sujeira por parte dos camaradas, querer abandonar-me ao primeiro tropeço.
–Chama tropeço a isto? – explodiu Leif – Queima-se nossa principal fonte de energia e para você não é mais do que um simples tropeço?
–O que quer que eu faça? – Aldo encarou o irmão de Inge com olhar glacial e gritou: – Que me atire no chão para chorar, gritar e arrancar-me os cabelos?
–Não foi isso que eu quis dizer... – Leif suavizou a voz.
–Já vi que quando estão sob pressão externa, desnorteiam-se todos.
–Mas... – Leif ainda queria dizer algo, mas Aldo o cortou:
–Parece que sou bom só quando tudo funciona às mil maravilhas.
Eles se entreolharam envergonhados.
–Minhas ordens são lógicas e devem ser cumpridas ao pé da letra, sem discussão, gente! Senão isto não vai funcionar...! Não vai mesmo!
Ninguém respondeu. Todos abaixaram a cabeça. Aldo estava irritado. Seus irmãos e seus mais íntimos colaboradores deram um passo em falso, como se um espírito maligno os dominasse, fazendo-os discordar, o que nunca antes aconteceu, como querendo separá-los. No mesmo tom disse:
–Se tivemos capacidade para chegar aqui, teremos também para conquistar este mundo. Vamos ver se merecemos ficar nele!... Entenderam?
No silêncio que se fez, ouviu-se o suspiro de Inge.
–Mereço ficar. Perdi minha infância melhorando o IS-TRES do meu pai anos a fio, para servir à Causa, detonar a Internet do inimigo e programar todas estas naves.
–Mereço ficar – disse Boris – Explorei a Lua, ajudei a construir a Antílope e lutei na floresta, no canal e no deserto, com as feras e os aborígines marcianos.
–Também mereço ficar – afirmou Elvis – não trabalhei todos estes anos e nem comandei uma nave todos esses milhões de kms à toa.
Um a um foram dando seus motivos. Finalmente Aldo disse:
–Somos a máxima autoridade da comunidade. Não podemos desentender-nos, senão tudo irá para o inferno, como os marcianos querem.
Inge deu um pulo:
–É isso!
Vários pares de olhos fixaram-se nela. Inge, como sacerdotisa odínica, tinha uma sensibilidade superior. Mara perguntou:
–Isso... O quê?
–Os marcianos. Pode ser que nos tenham influenciado de alguma maneira que ignoramos. Pode até ser que a explosão da fábrica tenha sido coisa deles.
–Inge, é isso mesmo – concordou Aldo recuperando sua compostura – Mas há que esperar o informe dos peritos para saber se a explosão foi acidental.
Nesse momento entrou Tom Silveira, com seu traje coberto de cinzas.
–Dominamos o fogo – anunciou, abrindo a viseira – não se estenderá.
–E os danos?
–Perdemos a fábrica, capitão. O combustível novo está à salvo e o anterior também, não perdemos nem uma gota. Salvamos o equipamento robótico e os secundários. O vitroplast perdido não é problema, podemos fazer mais. A única coisa que ficou no fogo foi o forno de gaseificação de urânio e plutônio. Esperemos que agüente o calor sem derreter-se. Há chances.
–O que me diz da água e do oxigênio? Perdeu-se muito?
–O oxigênio não é uma grande perda, só está queimando o destinado à fábrica, e perdemos noventa por cento da água, mas não haverá racionamento. Com o poço,
num mês, recuperaremos toda a que perdemos. Isso é tudo, capitão.
–Obrigado Tom.
Aldo dirigiu-se aos outros:
–Já ouviram.
Leif, ainda magoado, atreveu-se a intervir:
–Mas vá trazer 400 pessoas que comem, bebem, respiram, tomam banho, iluminam-se, esquentam-se e para isso precisam energia. E a energia precisa do reator principal que precisa combustível que agora não podemos fabricar.
–Se isso era o que lhe preocupava, devia ter falado antes, Leif. Venha aqui, vou mostrar-lhe números. Os outros, cheguem perto!
Aldo ligou seu terminal.
–Trouxemos da Terra, 2.920.000 litros. O reator gasta diariamente dois barris e meio por dia. Em 58 dias que estamos aqui já gastou 29.000 litros. Sobram 2.891.000. Hoje abastecemos as naves que vão voltar com 144.000 litros e sobram, pela tabela, 2.747.000 litros. Se restarmos a isso os 14.000 litros que gastamos com a maquinaria e outras despesas diversas, restam 2.733.000 litros nos reservatórios. Se continuarmos como até agora, gastando 500 litros por dia no reator, com luz, escudo de força e o mais, mas sem abastecer naves, o fluído acabar-se-á em 14 anos e 360 dias, quase 15 anos. Exatamente 14,97534246575 anos.
Lúcio deu uma risada:
–Se trazemos 400 colonos, o fluído durará cinco vezes menos, mas é claro que muito antes a fábrica estará funcionando.
–Além disso – disse Aldo – há meio milhão de litros de combustível novo para a viagem a Júpiter; não incluído neste cálculo. Sem contar com outro meio milhão de litros ainda em órbita nas naves robôs que já chegaram.
Leif viu que tinha se precipitado. Acalmou-se e disse:
–Desculpe Aldo. Fui um estúpido.
–Não foi nada, Leif. Entendo seus motivos. Como Inge disse, também estou começando a achar que esta nossa discussão boba escapa ao nosso controle. Não é
somente o estresse que nos deixa meio loucos.
–Devemos investigar isso – disse Inge – eu sinto que há algo.
–Sim, devemos indagar entre os marcianos – interveio Elvis – e não deixar que percebam que estamos desconfiando deles.
–Não suspenderemos em forma alguma a viagem à Terra – disse Aldo – avisem aos capitães que se preparem para decolar amanhã à tarde.
Imediatamente entraram na eclusa, Chiyoko incluída. Inge observou-a quando a porta fechou-se, abstraída em pensamentos não muito agradáveis.
De repente notou que todos na eclusa olhavam-na.
–O que há?
–Põe o capacete – disse Mara.
Todos começaram a rir enquanto os exaustores assobiavam.
Os homens desdobraram as mangueiras ligadas ao poço e o reservatório. O encanamento vomitava milhares de litros de água por minuto sobre o fogo e os reservatórios intocados ainda pelo fogo; consumindo mais água da que o poço produzia. Em seguida foi preciso usar água do reservatório. Elvis, num ato desesperado, abordou a Antarte, fez a nave pairar sobre o fogo e descomprimiu milhares de litros de água da reserva da nave sobre a fábrica. No obstante, nem a água nem os extintores químicos podiam conter o fogo; aquela se evaporava pelo calor e estes eram insuficientes. Apenas podiam impedir que o incêndio se propagasse aos enormes reservatórios de combustível recém fabricado, a maior parte vazia.

A fábrica de vitroplast estava em perigo pela sua proximidade. Os jatos d'água dirigiram-se a ela em previsão de danos maiores. O centro de abastecimento das naves estava em perigo por sua proximidade e pelos encanamentos.
A tripulação da Prometeo com seu capitão à frente, introduziu-se dentro da fábrica em chamas. Protegidos por jatos d'água das mangueiras e seus trajes de vôo incombustíveis, resgataram a maquinaria insubstituível pouco antes que se derrubasse a superestrutura do edifício. Em meia hora a Antarte esgotou sua água, assim a do reservatório principal.
–Chega! – gritou Aldo com o rosto alterado – Não gastem mais água!
–Mas já o temos sob controle... – começou dizendo Tom Silveira.
–Deixem queimar. Já salvaram o material insubstituível e não tem objeto gastar água. Custará muito recuperar a que perdemos.
–É verdade – respondeu Tom – Rapazes! Só não o deixem alastrar-se!
E dirigindo-se ao capitão:
–Se os tanques de oxigênio não vazassem constantemente, o fogo já teria se
apagado com o frio e a baixa pressão.
–Desligaram a tubulação principal?
–Sim, mas as válvulas dos cilindros subterrâneos derreteram-se e não há maneira de fechá-las.
–Há perigo de explosão?
–Não, acho que não.
–Há muito oxigênio nos depósitos?
–Vai queimar até amanhã. Talvez o frio ajude, à noite a temperatura desce a menos 30 graus...
–Isolem o local e fechem a base até nova ordem. Quero um inventário de danos e saber quando poderemos começar a reconstruir e recomeçar a produção.
Depois disso, Aldo encaminhou-se ao seu alojamento, caminhando devagar e ouviu nos seu capacete a voz de Tom:
–Presumo que adiaremos a viagem à Terra...
–De momento sim.
Aldo foi para seu alojamento. Já era noite fechada, mas ninguém o notou, devido ao vivo resplendor do incêndio. Alguém o seguia: Chiyoko.
–Isto me dói – ouviu Aldo nos fones – Vejo-o triste.
–Não te preocupes – respondeu ele – Não é a primeira das minhas provações.
Estavam chegando ao alojamento dele. Entraram.
–Aldo-San, não deve abalar-se na desgraça – disse Chiyoko num tom de esposa de samurai; enquanto as válvulas funcionavam.
–Eu não me abalo, eu sou um antártico – respondeu Aldo secamente, abrindo a viseira do capacete quanto a pressão se equilibrou.
–Prefiro tê-lo morto nos meus braços a vê-lo derrotado – disse ela abrindo a viseira do capacete.
Aldo tirou o capacete e a mochila, colocando-os nos cabides, pensando que o palavreado da moça era romântico demais, clássico demais. Talvez muita leitura do gênero medieval; nobres damas, valentes samurais e corajosos ronins...
Foi até a janela. Ela ficou do seu lado. As chamas produziam sinistros reflexos nos seus rostos e ele achou que podia responder-lhe à altura dos romances:
–Morrerei nos teus braços antes de abandonar este mundo sem tê-lo conquistado. Isso é uma promessa.
Ouviu-se o barulho da eclusa e em seguida penetraram Lúcio, Boris os irmãos de Aldo, Inge e Leif. Ao ver à japonesa, Inge e Mara não ocultaram sua surpresa.
–Aldo – disse Boris – isto foi negativo para o moral. Alguns querem voltar.
–Leia-se; o geólogo argentino, o bioquímico inglês, o zoólogo peruano e o botânico angolano que vieram comigo na Antarte – disse Elvis.
–Imaginava isso. Vocês querem voltar?
–Claro que não – disse Boris.
–Ninguém entre os meus quinze principais quer ir embora?
–De forma alguma – respondeu Lúcio.
–Muito bem – Aldo estava mudado, parecia outra pessoa – mas... Para quê vieram em comissão a dizer-me uma coisa que poderiam ter me dito pelo rádio?
Os outros se olharam em silêncio.
–Espero uma resposta – disse Aldo falando em tom de capitão.
–Pois... – começou Leif.
–Estamos na expectativa – cortou Boris – para ver o que você decide.
–Parece-me bem que lembrem quem manda aqui.
–Não diga isso, Aldo – interveio Mara com severidade – Não é justo conosco.
–Perdão, querida; mas pensei ter percebido um, digamos, indício de falta de confiança em mim por parte de vocês, para não ofendê-los com a palavra “motim”.
–Aldo! – gritou Mara.
–Foi o que deduzi quando os vi entrando aqui em bando, maninha.
–Aldo tem razão – interveio Elvis.
–Estou de acordo – disse Marcos – devíamos ter usado o rádio.
Inge, até esse momento mantivera-se em silêncio. Abraçou-o e disse:
–Se confiamos nele até agora, seria bom continuar confiando.
–Claro! – exclamou Mara.
–Até agora tudo funcionou bem – disse Aldo – Se nestes 58 dias que levamos aqui, consegui levar o projeto adiante, penso que seria muita sujeira por parte dos camaradas, querer abandonar-me ao primeiro tropeço.
–Chama tropeço a isto? – explodiu Leif – Queima-se nossa principal fonte de energia e para você não é mais do que um simples tropeço?
–O que quer que eu faça? – Aldo encarou o irmão de Inge com olhar glacial e gritou: – Que me atire no chão para chorar, gritar e arrancar-me os cabelos?
–Não foi isso que eu quis dizer... – Leif suavizou a voz.
–Já vi que quando estão sob pressão externa, desnorteiam-se todos.
–Mas... – Leif ainda queria dizer algo, mas Aldo o cortou:
–Parece que sou bom só quando tudo funciona às mil maravilhas.
Eles se entreolharam envergonhados.
–Minhas ordens são lógicas e devem ser cumpridas ao pé da letra, sem discussão, gente! Senão isto não vai funcionar...! Não vai mesmo!
Ninguém respondeu. Todos abaixaram a cabeça. Aldo estava irritado. Seus irmãos e seus mais íntimos colaboradores deram um passo em falso, como se um espírito maligno os dominasse, fazendo-os discordar, o que nunca antes aconteceu, como querendo separá-los. No mesmo tom disse:
–Se tivemos capacidade para chegar aqui, teremos também para conquistar este mundo. Vamos ver se merecemos ficar nele!... Entenderam?
No silêncio que se fez, ouviu-se o suspiro de Inge.
–Mereço ficar. Perdi minha infância melhorando o IS-TRES do meu pai anos a fio, para servir à Causa, detonar a Internet do inimigo e programar todas estas naves.
–Mereço ficar – disse Boris – Explorei a Lua, ajudei a construir a Antílope e lutei na floresta, no canal e no deserto, com as feras e os aborígines marcianos.
–Também mereço ficar – afirmou Elvis – não trabalhei todos estes anos e nem comandei uma nave todos esses milhões de kms à toa.
Um a um foram dando seus motivos. Finalmente Aldo disse:
–Somos a máxima autoridade da comunidade. Não podemos desentender-nos, senão tudo irá para o inferno, como os marcianos querem.
Inge deu um pulo:
–É isso!
Vários pares de olhos fixaram-se nela. Inge, como sacerdotisa odínica, tinha uma sensibilidade superior. Mara perguntou:
–Isso... O quê?
–Os marcianos. Pode ser que nos tenham influenciado de alguma maneira que ignoramos. Pode até ser que a explosão da fábrica tenha sido coisa deles.
–Inge, é isso mesmo – concordou Aldo recuperando sua compostura – Mas há que esperar o informe dos peritos para saber se a explosão foi acidental.
Nesse momento entrou Tom Silveira, com seu traje coberto de cinzas.
–Dominamos o fogo – anunciou, abrindo a viseira – não se estenderá.
–E os danos?
–Perdemos a fábrica, capitão. O combustível novo está à salvo e o anterior também, não perdemos nem uma gota. Salvamos o equipamento robótico e os secundários. O vitroplast perdido não é problema, podemos fazer mais. A única coisa que ficou no fogo foi o forno de gaseificação de urânio e plutônio. Esperemos que agüente o calor sem derreter-se. Há chances.
–O que me diz da água e do oxigênio? Perdeu-se muito?
–O oxigênio não é uma grande perda, só está queimando o destinado à fábrica, e perdemos noventa por cento da água, mas não haverá racionamento. Com o poço,
num mês, recuperaremos toda a que perdemos. Isso é tudo, capitão.
–Obrigado Tom.
Aldo dirigiu-se aos outros:
–Já ouviram.
Leif, ainda magoado, atreveu-se a intervir:
–Mas vá trazer 400 pessoas que comem, bebem, respiram, tomam banho, iluminam-se, esquentam-se e para isso precisam energia. E a energia precisa do reator principal que precisa combustível que agora não podemos fabricar.
–Se isso era o que lhe preocupava, devia ter falado antes, Leif. Venha aqui, vou mostrar-lhe números. Os outros, cheguem perto!
Aldo ligou seu terminal.
–Trouxemos da Terra, 2.920.000 litros. O reator gasta diariamente dois barris e meio por dia. Em 58 dias que estamos aqui já gastou 29.000 litros. Sobram 2.891.000. Hoje abastecemos as naves que vão voltar com 144.000 litros e sobram, pela tabela, 2.747.000 litros. Se restarmos a isso os 14.000 litros que gastamos com a maquinaria e outras despesas diversas, restam 2.733.000 litros nos reservatórios. Se continuarmos como até agora, gastando 500 litros por dia no reator, com luz, escudo de força e o mais, mas sem abastecer naves, o fluído acabar-se-á em 14 anos e 360 dias, quase 15 anos. Exatamente 14,97534246575 anos.
Lúcio deu uma risada:
–Se trazemos 400 colonos, o fluído durará cinco vezes menos, mas é claro que muito antes a fábrica estará funcionando.
–Além disso – disse Aldo – há meio milhão de litros de combustível novo para a viagem a Júpiter; não incluído neste cálculo. Sem contar com outro meio milhão de litros ainda em órbita nas naves robôs que já chegaram.
Leif viu que tinha se precipitado. Acalmou-se e disse:
–Desculpe Aldo. Fui um estúpido.
–Não foi nada, Leif. Entendo seus motivos. Como Inge disse, também estou começando a achar que esta nossa discussão boba escapa ao nosso controle. Não é
somente o estresse que nos deixa meio loucos.
–Devemos investigar isso – disse Inge – eu sinto que há algo.
–Sim, devemos indagar entre os marcianos – interveio Elvis – e não deixar que percebam que estamos desconfiando deles.
–Não suspenderemos em forma alguma a viagem à Terra – disse Aldo – avisem aos capitães que se preparem para decolar amanhã à tarde.
Imediatamente entraram na eclusa, Chiyoko incluída. Inge observou-a quando a porta fechou-se, abstraída em pensamentos não muito agradáveis.
De repente notou que todos na eclusa olhavam-na.
–O que há?
–Põe o capacete – disse Mara.
Todos começaram a rir enquanto os exaustores assobiavam.
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