Mundos Paralelos - Capítulo 6 - 6.6

6-6.6
17 de junho ao meio-dia.

O fogo está apagado. Feito o rescaldo, as máquinas limparam o local, levando os restos para um setor onde havia um poço que servia de lixeira e junto ao qual estava sendo montada a usina de reciclagem de material, com intuito de reaproveitar tudo, desde latas de alumínio até embalagem de alimentos.


Todo o lixo reaproveitava-se, restos de comida para a horta; o esgoto dos banheiros, devidamente canalizado para uma usina de bio-fertilizante, substancia que os cientistas brasileiros encarregados do projeto; alegremente chamavam “bio-bosta”.


A base estava fechada para os nativos, que de cima dos tetos dos seus veículos, estacionados à prudente distância da cerca, espionavam curiosos, sem compreender o que acontecera. O espetáculo da noite anterior, para alguns era mais uma maravilha empreendida pelos visitantes. Mas onde ontem havia um prédio branco cheio de tubulações, agora havia um negro esqueleto que as máquinas desmontavam.
*******.

Dois visitantes armados barraram o passo de Lon Vurián.


–Ninguém pode entrar! – disseram-lhe – Está proibida a entrada!


–Eu sou Lon Vurián, amigo do seu capitão...


–Nem que fosse o Rei de Marte. Ninguém pode entrar!


–Quê foi que aconteceu ontem à noite?


–Um incêndio. Vá, o portão deve ficar desimpedido!


–Eu quero falar com Aldo.


–Deverá esperar que a base seja aberta, ninguém entra sem autorização!


–E quando será isso?


–Não sabemos. Vá embora antes que recebamos ordem de atirar em você!


A sentinela falava em sério e Lon julgou prudente retirar-se. Enquanto o fazia, viu o veículo a colchão de ar; que os aliens chamavam de Auto-N; saindo pelo portão e girando à esquerda em direção à Havern Umbr.
Contrariado por ter ficado à margem dos acontecimentos, Lon ligou seu veículo e foi na mesma direção dos visitantes.


Enquanto isso, o Líder Vurián, com a desagradável sensação de que as coisas fugiam do seu controle; pôs seu pessoal em alerta. Está longe da sua base, que fica a quatro dias de marcha além de Hariez. Está tão sozinho como os visitantes. Hoje
ouviu a rádio de Hariez, que fala do resgate de Vurón Garlak, pelos soldados exploradores do Líder Vurián, sem mencionar a participação dos visitantes.

Alguns membros do Conselho Deliberativo Supremo de Hariez, eles também líderes em suas regiões, estão contrariados com o Primeiro Cônsul, o Líder Garlak, que não faz nada por expulsar os invasores. As rivalidades entre eles são acentuadas, e a visita dos seres do espaço é uma ocasião única, para agitá-las.


Alguns trechos do noticiário:


“... Aproveitando que Sua Majestade não está, o Primeiro Cônsul e seu amigo e cúmplice, o Líder Vurián, toleram o assentamento de aliens na Zona Contestada. É provável que estejam em conluio com Darnián. Estes aliens preparam o terreno, podem até mudar o clima para respirar. É bem sabido que os alienígenas não sobrevivem sem suas exo-armaduras, e com isso todos morreremos em longo prazo. Será que os líderes militares não percebem o que está acontecendo?”.

Ao ouvir estas notícias, Bert Vurián pensava muito nas suas recentes atitudes e sua posição perante seus iguais, sabedor das intrigas que eram comuns entre eles.
*******.


Fuchida e Andrés desceram do Auto-N, perto da Ikeya-Maru. Deixando dois homens de guarda; subiram pela escada e entraram na eclusa, que Fuchida abriu com a sua chave de controle remoto. Dentro, levantaram a viseira do capacete e entraram no túnel vertical que conduzia ao topo, à sala de comando.


–Bonita nave – disse Andrés, entrando no túnel.


–O senhor é amável – disse Fuchida acionando o elevador – a sua é melhor.


–Não discutiremos isso.


A pequena plataforma conduziu-os ao topo em menos de um minuto.
Fuchida tirou as luvas e sentou-se no terminal do sistema, copiou vários pendrives, que colocou no bolso e depois imprimiu alguns mapas estelares.
Dez minutos depois, desligou o terminal e levantou-se.


–Já temos a rota de retorno estabelecida – disse, colocando as luvas – Faça o favor de colocar estes mapas nessa pasta. Vamos?


Saíram da nave e Fuchida trancou a porta. Abordaram o Auto-N, partindo em seguida. Em Marte o veículo pode ultrapassar os 300 km/h, devido à gravitação. Em menos de dois minutos cruzaram com o veículo de Lon Vurián e o deixaram atrás.


–Pare! – disse Andrés ao condutor.


O Auto-N parou e pairou no ar, no meio da nuvem de pó vermelho que criava.


–Ao chão!


O veículo pousou sobre suas patas, enquanto o vento levava a poeira embora.


–Por que paramos?


–Quero ver se os marcianos vão à sua nave, capitão.


Mas eles pararam e deram a meia volta.


–Estão atrás de nós e não da nave – disse o condutor – os esperamos?


–Não. Vamos embora.
*******.


Pouco antes da partida, as naves estavam em posição na cabeceira da pista. Os capitães caminhavam às suas naves com Aldo, que lhes dava as últimas instruções.


–Carreguem alimento, eletrônicos, computadores, munição, sabonete, papel higiênico, creme dental e trajes para toda essa gente. Valerión deixará preparados os containeres na órbita lunar. Enganchem-nos e partam. Eugênio, leve os desertores aos seus países. Os que vão à Lua esperem os outros; não voltem separados. Não sei o que a ditadura pode aprontar. Cuidado com a bagagem dos passageiros; usem germicidas. Não se metam em encrencas, não façam gracinhas com o inimigo. Usem e abusem da escolta dos caças antárticos. Quero que voltem todos inteiros. E não se demorem, fazem falta aqui.


–Não se preocupe. – disse o capitão Fuchida.


–E outra coisa: já estou com saudades.


Apertaram as mãos e cada um dos capitães subiu na sua nave, deixando Aldo sozinho na pista. Os motores foram ligados e Aldo foi à torre de controle. Logo as oito naves rodaram pela pista de duas em duas, e remontaram-se velozes no céu claro.
*******.


–Eles vão embora, Lon! – Bert Vurián estava maravilhado pelo espetáculo.


–Vão buscar mantimentos, pelo que consegui entender, pai. – disse Lon.


–Deveria ir à base para descobrir o que está acontecendo.


–Fui ao meio-dia e os guardas não me deixaram entrar.


–Seria por isto?


–Talvez.


–Acho que deveria tentar outra vez.
*******.


Ao entardecer Lon entrou na base dos visitantes. Quando se encontrou com o líder deles, deu saída a uma torrente de perguntas em espanhol que levava em mente:


–Por que se vão oito naves? Quê aconteceu ontem à noite? Por que não me deixaram entrar hoje? Por quê...?


–Calma Lon. Vamos por partes. Venha, vamos caminhar um pouco.


–Sim, mas...




–Não lhe deixaram entrar porque a base está fechada para todos os nativos.


–Fechada para nós? Mas por quê?


–Pelo que aconteceu ontem à noite.


–Ah! Sim! Quê aconteceu ontem à noite?


–Nossa fábrica de combustível foi destruída. Isso nos atrasa muito.


–Mas o que temos nós a ver com isso?


A pergunta de Lon Vurián em espanhol quase perfeito ouviu-se nos fones do capacete de Aldo, colhida pelo microfone exterior do seu traje.


–Muito – respondeu o ser da Terra.


–Não compreendo.


–A fábrica não se queimou sozinha. Foi uma sabotagem.


Lon demorou alguns segundos, procurando no fundo do seu cérebro ensinado subliminarmente, o significado daquela palavra. Tentava desesperadamente entender o significado da mesma com a sua cabeça latejando de uma dor que fazia suas pupilas contrair-se. Até ele chegavam os ruídos dos visitantes e suas máquinas robôs, em grande atividade apesar de que o sol estava quase se escondendo.


–Sabotagem, um acidente provocado! – respondeu, feliz de achar a palavra, mas ao mesmo tempo apreensivo por saber que isso não era uma coisa boa. Então perguntou; meio amedrontado:


–Sabe quem o provocou?


–Meus peritos já o descobriram. Temos câmeras por todo o acampamento para monitorar os trabalhos e o vimos. Quer vê-lo?


–Claro!


Chegaram à garagem que servira de moradia na breve estada dos marcianos, no primeiro encontro. Aldo dedilhou uma ordem no terminal com dificuldade devido às luvas. Em segundos apareceu a imagem do marciano que colocara a bomba.


–Como vê, não foi um dos seus camaradas, porém um figurão de Hariez, que veio num veículo sofisticado.


–Não consigo vê-lo direito...



–Vou congelar a imagem.


A imagem ficou congelada e foi ampliando-se.


–Zayo Bertián! – gritou Lon e seus supercílios contraíram-se, dando-lhe uma expressão feroz – Tinha que ser!


–Quem é?


–Membro da oposição no Conselho Supremo, já esteve perto de levar-nos à guerra com Darnián várias vezes.


–Excelente pessoa.


–É inimigo do meu pai e do Cônsul Garlak, que é pai de Vurón – disse Lon, sem perceber a ironia sutil do visitante.


–Meu pessoal o viu rondando e fazendo perguntas. Além do mais, achamos restos de um artefato não fabricado por nós.


–Malvado sem honra!... Meu pai saberá disto!


–Penso que seus conterrâneos nos atacarão.


–Como sabe?


–Regina está monitorando Hariez com o rádio que tomamos de vocês.


–Meu pai não permitirá uma coisa dessas!


–Seu pai é honrado, mas nada poderá fazer para impedir o ataque.


–Isso seria um desastre – Lon estava sinceramente abalado.


–Não entendo a psicologia de vocês, mas acredito que agora seus compatriotas nos acham indefesos e podem aventurar-se...


–E não estão indefesos?


–Claro que não. Temos reserva de energia. Além do mais, por segurança, nossa reserva principal de combustível, mantimentos e material não está toda aqui; porém no espaço, orbitando sobre nossas cabeças, como sabe.


–Ainda bem.


–Quero pedir-lhe um favor. É difícil.


–Peça.


–Entregue-me esse Zayo Bertián para castigá-lo.

*******.

FIM DO CAPÍTULO 6
(CONTINUA)

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