Entretanto, ontem em Saturno...
Saturno, 18 de dezembro de 2014.
O espetáculo mais maravilhoso do sistema solar, que o diferencia dos outros, é o planeta com anéis. Quantas vezes, viajantes recém chegados o admiraram, quantas vezes terrestres, marcianos, ranianos e hiperbóreos o viram como símbolo do lar, após uma longa jornada desde as estrelas! Mas isso seria no futuro.
Hoje, o gigante gasoso é um ponto de chegada e decisão para os tripulantes da Wodan.
Não chegavam ainda à órbita de Phoebe quando Olaf entrou na ponte e deparou com os amotinados. Na longa e desesperada viagem; estes ganharam silenciosamente toda a tripulação.
–O quê significa...? – perguntou Olaf.
–...Isto? – completou Regert com a pistola na mão – Significa que os terrestres nos deixam viver a todos em troca da Ilustre Dama... E do senhor, capitão.
–Malditos! – gritou Olaf, levando à mão à pistola, mas sem êxito, porque foi imediatamente imobilizado e amarrado por muitas mãos.
Nesse momento entrou Inge, com sua gravidez agora bastante ostensiva.
–Terminado o serviço; senhora – disse o comandante Regert, que em todo momento tinha liderado o motim.
–O comunicador está a sua disposição – acrescentou Schultz.
–Obrigada, senhores – disse ela sorrindo – Agora; meu desprezível Olaf; vou chamar à Hércules e você ficará a disposição do meu marido.
Ulfrum ficou pálido.
–Por favor, Regert, não faça isso! – choramingou o outrora temível senhor feudal de Enéas-1172 – Não me entregue a eles!
–Seja homem uma vez na vida! – gritou Petersen irritado – Cadê sua honra?
*******.
–Inge! Estás bem? E o bebê?
–Estou bem, querido, e o bebê está ótimo.
–Qual a situação?
–Domino a situação agora.
–E o maldito?
–Olha-o – disse ela, com um sinal para que Ulfrum fosse posto na tela.
–Por favor, não me matem!
–Cale-se maldito. Quero que deponham as armas e serão perdoados.
–Será feito. Ulfrum está amarrado – disse Regert.
–Pare as máquinas e prepare-se para abordagem.
–Sim, capitão. Petersen! Parada total!
–Mas vale que não seja um truque, porque senão...
–Nós não somos como ele, capitão. Temos honra – disse Schultz.
–Honra? Vocês atiraram em mim e meus amigos em Ganímedes.
–Não, capitão – disse Regert – Foi o pessoal de Wilfred West. Nós estávamos a bordo esperando Ulfrum. Ele veio com a Ilustre Dama, para nossa surpresa.
–Confie em nós – disse Petersen – eu devo minha vida a ela.
–Confiarei. Por enquanto.
*******.
Para efetuar a transferência, Inge tinha que vestir uma roupa espacial. O tubo de abordagem da Hércules não era compatível com a escotilha da Wodan. Inge estava com oito meses de gravidez e seu velho traje já não lhe servia, por isso os troianos adaptaram um traje de homem bem folgado.
Entretanto, Olaf devia ser desamarrado para vestir seu traje, o qual vestiu com rapidez. Aproveitando uma distração, bateu em Schultz com uma mochila, e escapou para as dependências inferiores da nave.
–Vão me pagar, traidores!
–Peguem-no! – gritou Regert.
Mas era tarde. Olaf chegou ao hangar e abordou um Horten M-2020. Na Hércules produziu-se um rebuliço ao ver partir o caça. Aldo gritou:
–Sabia que estavam mentindo! Vou matar todos vocês!
–Não, Aldo! – gritou Inge a meio vestir – Olaf fugiu, que não escape!
–Antes virás a bordo! Grubber, Wassermann e Simon vão te pegar.
–Sim, mas vou demorar um pouco com este traje, Aldo.
Os antárticos entraram na Wodan. Inge, vestida e equipada, abraçou os amigos.
–Agora me tirem daqui, rapazes.
De repente a nave tremeu.
–Olaf está atirando em nós! – gritou Petersen.
–Primeiro vocês, traidores! – gritou Ulfrum pelo rádio.
–Ele pode nos danificar seriamente – disse Regert – Petersen! Tire-nos daqui!
–Espere! E eu? – disse Inge em desespero.
–A senhora? Agarre-se forte porque vou acelerar – disse o piloto.
A Wodan lançou-se para adiante com violência e assim esquivou um disparo de phaser do Horten M-2020, que bateu na Hércules sem maiores conseqüências. Em seguida a Wodan desapareceu de cena e Olaf pôde ver o canhão marciano da Hércules girando em sua direção. Não foi tão estúpido como para ficar aí e escapou rumo a Saturno a toda velocidade.
*******.
O duelo.
–Vocês vão atrás da Wodan que eu me encarrego do maldito – disse Aldo enquanto embarcava no caça número 001.
–Sim, capitão – disse Boris.
–Quer que o acompanhe? – perguntou Kowalsky, já abordando seu avião.
–Não, amigo. Isto é pessoal.
–Entendi, capitão.
Olaf Ulfrum percebeu entre arrepios que o seu perseguidor estava cada vez mais perto e não atirava. Logo foi alcançado pelo caça CH-3, que se colocou do seu lado como se estivesse parado. De soslaio viu o número 001 na fuselagem.
–É ele! – pensou apavorado.
Olaf acelerou seu Horten-2020 ao máximo. Seus motores já estavam quase incandescentes e o CH-3 parecia quieto ao seu lado. Olaf tentou uma manobra lateral.
O outro lhe seguiu, quase tocando a ponta da sua asa esquerda. Em seguida o troiano tentou todas as manobras possíveis: esquerda, direita, acima, embaixo... Mas o terrestre adivinhava suas manobras. Por fim Olaf não pôde mais.
–O quê quer? – gritou pelo rádio.
–Pergunta idiota. – disse Aldo, dando uma gargalhada de gelar o sangue.
Olaf teve uma idéia. Ligou os freios.
Aldo descuidou-se e seguiu adiante. Só conseguiu desacelerar oito mil kms depois. Os instrumentos lhe disseram que tinha um míssil à popa. Passaram os segundos e Olaf atento ao radar, viu o curso do seu disparo que ia direto ao avião de Aldo parado no espaço. Então se produziu um silencioso clarão nuclear.
–Matei o terrestre! Matei o desgraçado! Eu sou o melhor!
Olaf ria e chorava ao mesmo tempo:
–Deviam ver esses traidores! Eu sou Olaf Ulfrum, o Temível! Matei o maldito! Matei! Estão me ouvindo traidores? Matei o terrestre!
*******.
Titã.
A aceleração a que tinha sido submetida a Wodan, levou-a às imediações da órbita de Titã, a maior lua de Saturno, quase do tamanho de Marte, e com uma atmosfera que outrora acreditava-se era composta de metano.
–Metano nas camadas altas; a atmosfera é bem grossa – disse o Dr. Valerión, atento ao espectrógrafo da Hércules, afetado pela proximidade de Saturno.
Um exame detalhado com os sensores ranianos adaptados ao computador positrônico, cedido pelos tripulantes da Analgopakin, indicou que a atmosfera era mais rica que a de Marte, tinha 80 por cento de nitrogênio e 18 por cento de oxigênio.
–Poderemos respirar aí – disse a Dra. Lídia – a pressão parece a da Terra a quatro mil metros de altura, como nos Andes ou o Himalaia.
–Se a influência que Saturno exerce em suas luas é semelhante à de Júpiter, atrevo-me a dizer que a temperatura deve ser tolerável – acrescentou Valerión.
Boris, no comando, entrou em contato com a Wodan:
–Regert! Você vai descer aí?
–Sim, porquê não?
–Está bem. Vou atrás.
Imediatamente Boris ordenou aos pilotos:
–Ivan, Tom e Alan! Escoltem a Wodan. Abram bem os olhos...! Boris para Ives! Vá atrás do capitão. Briga pessoal ou não; não quero que fique sozinho com esse louco. Adolphe e Jacques! Abordem suas naves e escoltem nossa descida.
As naves entraram na atmosfera de Titã, fazendo uma espiral descendente. A Hércules foi atrás da Wodan, que se dirigiu à calota polar, o lugar mais seguro para descer, com grandes planícies brancas.
–Regert! Vai descer aí?
–Parece um lugar tão bom como qualquer outro, e é bem plano.
–De acordo. Vou atrás. Nebenka!
–Senhor?
–Desligar impulso, ligar manobradores e antigravitação.
*******.
A Wodan pousou verticalmente numa superfície plana, branca e gelada.
Deixou profundas marcas na neve endurecida. No horizonte, umas árvores pareciam pinheiros de Natal. No lado oposto, uma cordilheira de cumes nevados e vegetação abundante nas ladeiras. A temperatura era quinze graus negativos e não soprava a menor brisa, embora se percebiam umas nuvens cinzentas aproximando-se sobre as montanhas. Não estava totalmente escuro. O sol era uma enorme estrela amarela e do lado oposto, a luminosidade da enorme massa de um anel de Saturno reinava absoluta num extremo do céu negro e estrelado.
Inge foi a primeira em colocar os pés no chão; seguida de Wassermann e alguns tripulantes troianos. Com o traje espacial dilatado pela barriga de oito meses; Inge parecia um ser grotesco. Tirou o capacete, liberou os cabelos de ouro e respirou o ar frio como o da Noruega, sua terra natal.
–Planeta lindo! – suspirou – Sinto-me em casa.
–Parece Antártica – disse Wassermann.
A Hércules apareceu com ensurdecedor rugido, no meio da fumaça dos freios e pairou pesadamente até pôr-se à par da Wodan. Desceu devagar, baixou as rodas e tocou a neve que se derretia com o calor dos manobradores. Logo foi enterrando-se, para o pavor de Inge e os outros.
–Estamos num lago gelado! Não acho que vai suportar o peso da Hércules!
–Boris, sobe! – gritou Inge.
–Tarde demais!
O peso e o calor dos motores ainda incandescentes; rachou o gelo de um metro de grossura. O trem esquerdo afundou primeiro, entortando a nave, que afundou na água gelada, fazendo-a ferver em meio de nuvens de vapor.
*******.
Um lugar para morrer.
Ives viu a explosão no espaço e acelerou nessa direção. Viu o Horten de Olaf e ouviu suas bravatas. Mas se fosse verdade não estaria vendo aquele ponto no radar.
–Capitão! É o senhor?
–Estou me divertindo com as palhaçadas do idiota.
–Deve estar louco.
–Sim. Desde que nasceu.
Olaf ouviu a conversa:
–Mas eu vi uma explosão...
–O escudo a deteve. Pensa que está tratando com vulgares piratas milkaros?
–Vejo outra nave. Chamou ajuda, terrestre!
–Não chamei, a coisa é entre você e eu – disse Aldo disparando o laser.
A cabine do M-2020 esquentou e Olaf acelerou em direção aos anéis.
Se alguma virtude Olaf possuía, para compensar seus muitos defeitos, era sua destreza pilotando um Horten M-2020. Manobrava muito bem e esquivava a maioria dos disparos do seu oponente.
Ives ficara em segundo plano, deixado atrás a cem mil kms de distância. Mas ele foi se aproximando rapidamente para não perdê-los de vista, como prometera ao comandante Boris. Saturno exercia muita força gravitacional e havia que acelerar muito. Não que fosse difícil para pilotos habituados a manobrar nas imediações de Júpiter, planeta bem maior.
Os anéis, compostos de pedras grandes como montanhas e de enormes icebergs de gelo sujo, ficavam mais difusos quanto mais perto. Os rivais perseguiam-se mutuamente, a dezenas de milhares de kms por hora, por entre o labirinto das enormes massas, trocando torpedos, raios e rajadas de balas explosivas. A separação entre as moles era às vezes de centenas de kms, mas à enorme velocidade em que ambos moviam-se, qualquer erro poderia destruí-los instantaneamente.
Já não mais se comunicavam. Alvejavam-se raivosamente e às vezes acertavam. Aldo viu que estava ficando sem munição e decidiu elevar-se do plano dos anéis para poder observar de cima onde seu inimigo estava. Uma vez encima, viu que Olaf teve a mesma idéia e praticamente pareceu que pularam juntos. Estavam longe demais um do outro, pelo que era inútil disparar mísseis, que seriam facilmente destruídos com laser. Também era longe para balas e canhões marcianos, pelo que Aldo usou o laser, mais efetivo, por ser instantâneo. Acertou várias vezes, mas o troiano sempre saia do lugar. Olaf agora lutava por sua vida, estava mais inteligente, mais calculador. Percebeu que cada vez que Aldo atirava, era obrigado a desligar o escudo por uma fração de segundo. Com esta idéia na cabeça aproximou-se sem deixar de disparar, mas guardando um míssil para o final.
Ambos gastaram a munição. Aldo estava já quase sem deutério, por causa das repetidas acelerações para vencer a força gravitacional, e o laser era a última arma que lhe restava. Olaf disparou seu último torpedo e foi colocando-se a tiro.
Aldo concentrou o laser nele por vários segundos, uns preciosos segundos sem proteção, o suficiente para o torpedo acertá-lo.
*******.
Aldo e Olaf estavam juntos demais e Ives viu que devia intervir. Acelerou e em segundos pôde presenciar o final do duelo. Aldo percebeu o truque, mas era tarde, acelerou, mas o míssil explodiu perto dos tubos de popa antes do escudo se fechar.
Justamente na popa, onde era mais fraco por causa do escape do motor. A explosão foi suficiente para apagar os tubos e Aldo ficou à deriva sem energia. Olaf também não teve sorte, o laser queimara muita coisa na cabine, esquentando o metal até a incandescência. A temperatura estava tão alta que Olaf teve que a abandonar o Horten, por temor da explosão iminente. Aldo já se aproximava voando com o impulsor da mochila. Olaf acelerou seu cinturão foguete rumo aos icebergs. Aldo voava entre as moles, chegando perto de Olaf, que disparou a pistola e errou. Aldo respondeu o fogo e acertou-lhe na luva. Enquanto os homens trocavam tiros, os aviões foram atraídos por uma massa flutuante. Ives; com o sensor ligado percebeu o que ia acontecer.
–Capitão!
–Agora não, Ives.
–Mas, capitão...!
–Estou ocupado – respondeu Aldo esquivando um disparo.
–Vai a ocorrer uma explosão, capitão!
–Deixe explodir – disse Aldo, atirando.
Os rivais pousaram frente a frente sobre a superfície de uma mole de gelo.
–Chegou sua hora, Ulfrum.
–Veremos – disse Olaf, disparando vários tiros que deram de cheio no peito de Aldo, protegido pela armadura, fazendo-o escorregar para trás.
–Veremos quem agüenta, Ulfrum.
A melhor armadura venceria. Os dois atiravam e cobriam o rosto com o braço para proteger o visor, procurando acertar no visor do outro.
As naves explodiram numa silenciosa luz atômica, do outro lado de uma montanha de gelo, sem atingir os lutadores. A imensa mole, em parte derretida, em parte quebrada, deslocou-se impulsionada pelos seus próprios gases para onde os inimigos se enfrentavam. Deveriam morrer ambos esmagados.
Aldo percebeu a enorme sombra que se aproximava e abandonou a luta, voando com seu impulsor paralelo ao solo. Olaf pensou que tinha vencido, quando, percebeu a sombra, olhou para cima e viu o que estava vindo. Foi rápido para ligar o cinturão impulsor e voar na mesma direção do seu oponente, mas já era tarde. Ambos blocos chocaram-se, esmagando o troiano quando faltava meio corpo para sair da armadilha.
Olaf ficou preso da cintura para baixo, como um inseto. As montanhas de gelo, unidas numa só, levaram-no a toda velocidade pela mesma órbita dos anéis, perante os olhos de Aldo e de Ives, que freava nesse instante perto do seu capitão. Seu grito de dor e desesperação ressoava nos fones dos terrestres, que não podiam fazer mais nada.
Olaf retorcia-se e gritava, afastando-se mais e mais, levado na voragem dos anéis; para girar eternamente num carrossel sideral. Ficaria para sempre girando em torno de Saturno, formando parte dos anéis por toda a eternidade, como um monumento. E gritou muito, demorando em morrer, sabendo que não tinha salvação.
–Está perdido, capitão – disse Ives apavorado.
O torso de Olaf, prensado, se afastava vertiginosamente.
Logo de um minuto que pareceu um século, parou de gritar.
Aldo disse por fim:
–Que lugar fantástico para morrer!
*******.
MUNDOS PARALELOS, Fase 1 volume 3, capitulo 20 páginas 33 a 38.
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